

Cineasta iraniano se diz determinado a trabalhar em seu país apesar da censura
Quatro meses após vencer a Palma de Ouro em Cannes, o diretor iraniano Jafar Panahi continua desafiando a censura em seu país, onde espera rodar um novo filme "sobre a guerra", declarou em uma entrevista à AFP em Paris.
Seu filme "Foi Apenas um Acidente", que estreia nas próximas semanas em vários países, conta a história de cinco iranianos que enfrentam um homem que poderia ser seu ex-carcereiro, em uma denúncia contra a arbitrariedade e as autoridades de Teerã.
PERGUNTA: Pode nos descrever sua vida no Irã desde que venceu a Palma de Ouro?
RESPOSTA: Quando cheguei ao aeroporto de Teerã após o festival, fui recebido por colegas diretores, familiares de presos políticos e pessoas comuns.
O governo, por outro lado, tentou dizer que era um filme sem valor e que foi apenas graças à pressão de agências de inteligência como a CIA que o festival concedeu um prêmio. Isso é o que geralmente pensam de qualquer filme que não foi submetido à censura.
P: Importunaram você?
R: Até hoje, não.
P: Como explica isso, considerando que seu filme é muito crítico?
R: O que querem que façam? Que me proíbam de sair (do país)? Ou que me coloquem de volta na prisão (estive preso sete meses entre 2022 e 2023 e 86 dias em 2010)? Tudo isso tem limites. Se pudessem fazer algo, já teriam feito.
Me proibiram de trabalhar e não serviu de nada. Podem proibir novamente, e o que vai acontecer?
Tenho 65 anos, nunca dei atenção à censura, não vou começar agora.
P: Você está trabalhando em um novo filme?
R: Sempre estou trabalhando em filmes. Infelizmente, desta vez é mais complicado. Quando não saía do Irã (me proibiram de sair do país por 15 anos), podia começar um novo filme assim que terminava o anterior.
Agora tenho coisas para fazer todos os dias. Na semana passada estive na Coreia, depois fui para a Espanha, da Espanha vim para cá... Às vezes, passo 30 horas sem dormir. Isso não me permite começar um novo filme com a mente clara.
Mas há algo que gostaria de fazer sem falta, faz cinco anos que quero realizar isso. O roteiro está pronto, trata sobre a guerra.
Não me deixaram terminar porque eram necessários recursos para este filme. Retorno ao tema, reescrevo, principalmente nestes tempos em que o cheiro de guerra é sentido por toda parte. Acho que o mundo pede este tipo de filme.
P: "Foi Apenas um Acidente" se inspira em sua passagem pela prisão. Você sofreu torturas lá?
R: Não me torturaram fisicamente. Mas quando você está em um quarto de três metros por quatro, com mais duas ou três pessoas, e permanece assim por dois ou três meses, isso afeta seu estado de espírito.
Toda vez que você quer ir ao banheiro, vendam seus olhos. A tortura não é apenas física. O pior são as torturas psicológicas. Mas outros foram torturados fisicamente.
Minha situação é diferente. Se um preso comum faz uma greve de fome por um mês, ninguém fica sabendo. Mas no meu caso, após dois dias, todo mundo já sabe.
P: Seu desejo de continuar trabalhando no Irã requer certa coragem...
R: Sou visível, recebo atenção, mas outros fazem muito mais. Há pessoas importantes nas prisões com penas muito longas.
O que eu fiz não conta, não é nada. Há pessoas que estão há 10 ou 15 anos na prisão. Uma pessoa que trabalhou no meu filme e cujo nome aparece nos créditos passou um quarto de sua vida na cadeia, tem 48 anos.
As coisas importantes, no final, são feitas por eles. Infelizmente, eles não são conhecidos.
(Entrevista traduzida do farsi)
W.Dupont--JdB